domingo, 6 de janeiro de 2013

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Um automóvel 0 Km ou uma panela de pressão?

Eu confesso: mesmo depois do advento da TV à cabo, não resisto e sempre dou uma espiadinha nos besteiróis de domingo à tarde. Ao contrário do que a grande maioria dos críticos propagam, enxergo tamanha densidade nos programas dominicais que às vezes me flagro relembrando um quadro (que era para ser só humorístico) durante toda a semana. São verdadeiras odes à psicologia moderna, e para ficar no raso do meu comentário, adjetivo-os, no mínimo, do retrato fiel da nossa vida atual.

São tão marcantes estes programas dominicais que só de ouvir a antiga música dos Trapalhões ou o gingle de abertura do Programa do Sílvio Santos (Sílvio Santos vem aí...) sinto o cheiro da lasanha e do frango assado que tão bem acompanhavam os meus domingos.

Noutro dia, analisando detidamente cada página de uma ação judicial, acabei caindo no clarão da minha memória ao fazer uma inusitada correlação entre a sentença do juiz e o Programa do Faustão. Resgatei em minha mente um dos quadros mais interessantes daquele Programa. Não me lembro bem qual era o nome do quadro, mas tratava-se de uma divertida distribuição de prêmios que nunca deveria ter saído da televisão brasileira, tamanho era o seu potencial educativo. Toda a estratégia da brincadeira televisiva passava pela oneração do próprio participante com a escolha do seu prêmio. “Nada de sorte, apenas uma questão de escolha”, falava ironicamente o Faustão, trajando uma das suas infinitas camisas de botão, meticulosamente alinhada dentro da calça, ao mostrar ao convidado os prêmios que poderia escolher: uma TV 29 polegadas, um par de meias, um aparelho microondas, um desentupidor de pia, uma motocicleta, um coador de café, uma panela de pressão, e um automóvel 0 KM!!!

A regra era bem simples. Dentre os prêmios oferecidos, o convidado, por sua própria e livre vontade deveria escolher apenas um. Só um detalhe: os prêmios eram anunciados bem em frente, através de um grande monitor, o qual não poderia o convidado enxergar porque se encontrava em uma cabine isolada de sons e imagens. Com todo sarcasmo que lhe é peculiar, o Sr. Fausto Silva provocava as reações do convidado. “Você troca o maravilhoso prêmio 1 (no visor aparecia o automóvel 0 KM) pelo fantástico prêmio 2 (no monitor cintilava uma panela de pressão)?”. Na frente da televisão, já antecipando a minha eterna função de expectadora de dramas alheios, como sofria quando o convidado deixava o Programa levando consigo um coador de café...

Não sei porquê este quadro durou tão pouco tempo e acabou sendo abolido, mas parece ter saltado da tela da TV para ter invadido a realidade de muita gente.

Peguei o caminho inverso para voltar ao escuro do meu processo. Será mera coincidência alguém crer numa sentença que lhe promete recuperar a propriedade da casa dos sonhos, e por assim acreditar, negar uma proposta de acordo cuja soma seria bastante para adquirir uma outra casa modesta, para, ao final, obter apenas a sentença devastadora a negar-lhe o direito sobre qualquer imóvel?

Se soubéssemos o final do filme, prestaríamos mais atenção nos detalhes a nos antecipar o desfecho conhecido. Mas, se não sabemos o final da estória, corremos o risco de nos perder na trama, e talvez seja este mesmo o brilhantismo, inteiramente seduzidos pelo todo, deixamos passar desapercebidas todas as evidências.

Não tenho dúvida de que este tolo programa de domingo poderia ter ensinado muita coisa a quem se dispusesse a aprender. Numa tarde de domingo, poderíamos, por exemplo, aprender que, quando não podemos enxergar direito, ante uma escolha, só nos resta consultar a nossa intuição. Poderíamos entender que ainda que numa brincadeira, os nossos prêmios são sempre fruto da nossa escolha. Ou poderíamos aprender simplesmente que, na nossa confusa natureza humana, ganhar uma motocicleta quando se poderia ter ganhado um automóvel é absolutamente frustrante.

Se cada um de nós soubesse o final da nossa própria estória, quando nos víssemos numa cabine isolada, face à escolha dos nossos prêmios, prestaríamos mais atenção nos detalhes. Talvez a chave de toda a trama pudesse estar mesmo nas lições despretensiosamente escondidas numa tarde de domingo.

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